Os símbolos nacionais, designadamente o hino e a bandeira, têm obrigatoriamente de ser tratados com a reverência devida ao seu significado, já que simbolizam a pátria.
Vem isto a propósito da utilização desmedida de bandeiras nacionais (ou coisas parecidas, porque alguns desses objectos foram fabricados sem cumprir a regulamentação oficial), seja por efeito mimético, seja com fins comerciais. Ora, um cidadão viseense não gostou de ver bandeiras nacionais conspurcadas com referências a marcas comerciais, sacrilégio maior quando uma dessas marcas é estrangeira, e queixou-se às autoridades, que prontamente trataram de apreender 100 bandeiras numa loja de electrodomésticos. O método policial é infalível - isto, além de inestético, é de certeza ilegal, por isso apreende-se! Após a apreensão «surgiram dúvidas sobre o tipo de infracção que representa, estamos a ver com o Ministério Público a melhor forma de enquadramento: se se trata de um crime ou uma infracção ao Código da Publicidade», revelou à Lusa o comandante da PSP de Viseu. O eventual crime seria «ultraje a símbolo nacional», decerto bem mais grave do que a infracção ao Código da Publicidade. Ficamos sem saber se o MP estuda as alternativas para castigar os criminosos com a pena mais pesada ou os infractores com a pena mais leve.
O devido respeito ou, pelo menos, o reconhecimento, dos símbolos nacionais é fundamental para a concessão de cidadania portuguesa. Vejamos:
Caso 1
Segundo O Público da passada 2ª-feira, o Tribunal de Relação de Lisboa negou a nacionalidade a uma indiana que vive em Portugal desde 1997, é casada com cidadão português, tem 2 filhos portugueses, é empresária, trabalha, tem casa própria e fala fluentemente português. Escreveu o Tribunal que «O seu interesse em ser portuguesa partiu, pura e simplesmente, duma informação prestada na Conservatória do Registo Civil a que decidiu anuir, sem qualquer profundo sentimento de pertença à comunidade nacional - e apenas pelo facto do seu marido e filhos terem nacionalidade portuguesa». Tão grave quanto isso, a requerente «revelou um desconhecimento absoluto da história, cultura e realidade política portuguesas» e, para piorar as coisas, «não sabe a letra, nem a música» do hino nacional!!!
Pode haver salvação para quem não é capaz de cantar o hino?
Caso 2
Anderson Luis de Souza, cidadão brasileiro, chegou a Portugal pouco depois da indiana, mas não era casado, nem casou, com cidadã portuguesa. Vejamos como surgiu «o seu interesse em ser» português, em entrevista ao Record, 28/05/2006:
ALS - A naturalização era uma coisa a que eu tinha direito e que iria fazer de qualquer maneira, independentemente da Selecção.
Record - Mas apressou a sua naturalização? Foi a FPF que tratou do processo ou o FC Porto?
ALS - Talvez. Não sei quem começou a tratar do processo, nem sei quem apressou.
Ou seja, o cidadão Anderson Souza nem sabe quem "meteu os papéis", o que é uma vantagem sobre a cidadã indiana, que quer ser portuguesa apenas porque marido e filhos o são.
Vejamos agora o «sentimento de pertença à comunidade nacional», em entrevista ao Globo.com a 10/03/2006:
Globo - Você já se sente totalmente português?
ALS - Eu me sinto brasileiro, como sempre. Sem dúvida Portugal é especial para mim e não vejo minha vida sem estar ligada a Portugal, pois o país me deu tudo.
A indiana teve azar, porque o país não lhe deu tudo.
Onde Anderson leva clara vantagem é que não revela o «desconhecimento absoluto da história, cultura e realidade política portuguesas»; ele sabe quem foi Cabral e conhece pessoalmente o Abrunhosa, o Primeiro-Ministro, o Presidente da República e o Presidente da União Europeia.
Amanhã, pelas 13:55, já veremos se ele sabe cantar o hino.
P.S. não tenho nada contra o facto do cidadão Anderson de Sousa ser agora meu compatriota, nem contra o facto de Deco ser um (dos melhores) jogadores na Selecção Nacional; tenho tudo contra a forma despudorada como as autoridades portuguesas tratam desigualmente uma comerciante indiana e um futebolista brasileiro.