Opinião - Madeleine, Fehér, e a comuniação social
As águas do panorama noticioso andavam muito amenas. As piadas sobre Sócrates já estão gastas. As notícias sobre o estado do país continuam muito desanimadoras, para não variar. A guerra civil no Iraque já se tornou banal. Os incêndios ainda não começaram. Os dirigentes desportivos não se lembraram de se insultarem.
Eis então que uma criança é raptada. Está encontrado um novo tema para os próximos dias. Aqui, na Inglaterra e um pouco por todo o mundo, o caso ganhou interesse.
Um interesse que vende. É o que as pessoas querem. Não bastam horas e horas de novelas por dia, os noticiários ainda têm que apresentar novelas da vida real, como esta. O mais puro sensacionalismo. A exploração dos sentimentos de uma família levada ao extremo. A menina e os seus pais tomaram contornos de ídolos. A imprensa é assim.
Só em Inglaterra desaparecem 70 mil crianças por ano, ou seja, uma média de 192 por dia. Se se desse tanta importância a essas crianças como se está a dar a Madeleine, não se trataria de mais nenhum assunto. Os noticiários seriam exclusivamente dedicados ao desaparecimento de crianças. Foi gerada uma onda de solidariedade nunca vista num caso deste nível, tendo sido já oferecido um total de 3.850.000€ (772.000 contos) a quem der pistas sobre o paradeiro da menina. Em Portugal, por exemplo, o jornal Record ofereceu 15.000€.
Tenho a certeza que se agora desaparecesse outra criança em Portugal já nem sequer se falava dela. Pois a história iria repetir-se e as pessoas começam a ficar fartas. Uma repetição deste caso já não venderia jornais, já não teria audiência.
Este caso faz-me lembrar um semelhante caso de mediatismo: o jogador do Benfica Miki Fehér. Morreu durante um jogo de futebol, por isso o horror da sua morte foi transmitido
5 Beijos:
A vantagem deste sensacionalismo é óbvia.
Não fora isso ninguém falaria mais no caso.
Não fora isso a compra e venda de crianças em Portugal não passaria a ser tipificada como crime no nosso Código Penal.
Não fora isso as nossas consciências viveriam em paz com a ingénua indiferença para os horrendos crimes que se cometem contra as crianças no mundo.
Viva a comunicação social.
Viva a globalização.
Viva a mundialização.
Viva a Internet e os Blogs.
Viva a opinião.
Viva a indignação.
Não deixemos esquecer Madeleine.
Que todas as crianças raptadas no mundo tenham a mesma mediatização de Madeleine.
Oxalá Madeleine aparece com vida.
Oxalá todos os PATIFES violadores de crianças paguem bem caro esses horrendos crimes.
Revoltemo-nos contra os crimes contra as nossas crianças, mas revoltemos-nos também contra a indiferença.
Madeleine nós não te esqueceremos.
A mediatização exagerada também serve para nos recordar que há autenticos predadores entre nós, e que temos que manter a vigilância.
Eu acho que vale a pena reflectir sobre alguns dos pontos apresentados pelo Nuno.
1. a «onda de solidariedade»
Obviamente, é o mesmo tipo de onda das bandeiras à janela, dos Pais Natais enforcados, etc.
Em vez de acrescentar o seu contributo para contas de milhões, as pessoas ávidas de contribuir ou prestar solidariedade, podem fazê-lo nas suas comunidades locais, aonde certamente haverá muitos a necessitar dessa solidariedade.
2. o «pack journalism»
Sobre isto não tenho muito para dizer, quem quiser saber mais que leia O Abrupto :)
No entanto, esta «onda» facilita a vida à máquina de propaganda que nos governa e traduz-se na quase ausência de resistência ao controlo governamental da opinião, que atinge proporções nunca vistas deste 1975. E isso deveria ser preocupante!
3. A Aliança Inglesa
Os bretões apreciam o facto de a língua oficial do Allgarve ser o inglês, mas já não suportam que o melhor treinador e o melhor jogador da Premiership sejam portugueses... felizmente, dão cartas na investigação policial, o que permite às cadeias de TV inglesas contratar, por valores idênticos aos que ganham os nossos especialistas no football, experts em raptos de crianças para virem instruir a PJ.
Claro que se fossem eles a mandar, já teriam identificado e abatido o suspeito, como tão prontamente fizeram com um desgraçado imigrante brasileiro, residente no bairro que acolhe a maioria dos imigrantes portugueses, confundido com um perigosíssimo membro da Al Qaeda.
Para quem consegue ler inglês:
Síndroma da Menina Bonita Desaparecida (melhor abrir em nova janela).
Vejam a diferença de tratamento entre 2 alunos desaparecidos da mesma universidade:
Em 2004, o desaparecimento de uma loura bonita, que se viria a revelar fingido, foi coberto por CNN, CBS, Fox;
Em 2006, um japonês feio só teve cobertura mediática depois do seu corpo ter sido encontrado.
É revoltante que assim seja Beijokense.
A cobertura mediática tem tendência para promover "produtos" vendáveis, senão vejamos a Princesa Diana teria a mesma mediatização se fosse feia?
Certamente que não.
O facto de Madeleine ser Inglesa, loura, rica, bonita é condição Sine qua non para esta mediatização em volta do seu desaparecimento?
É provável que sim.
Mas, é isso que interessa agora analisar?
Estou certo que não.
Porquê então tanta gente se solidariza (a maioria dos cidadãos)?
Na minha opinião e que todas as consciências se unem à onda de indignação por este tipo de crimes, não só pela Madeleine, mas todos e todas as madeleines deste mundo que desapareceram ou correm o risco de desaparecer.
Acho que não devemos censurar a comunicação social por este "sensacionalismo" eles só aproveitam a necessidade do seu público de saber mais sobre o caso, e a família habilmente utiliza a comunicação social para não deixar que o desaparecimento de sua filha caia nos esquecimento.
Na maior parte dos casos de mediatização exagerada, serve para alertar o legislador e o mundo para a necessidade de serem tomadas medidas que possam reduzir o número de casos.
Digo tal como o Tadeu, que Madeleine não seja esquecida.
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